sexta-feira, 20 de setembro de 2024

AS AVENTURAS GRÁFICAS DO MESTRE ZIRALDO

Eu participei com minhas charges e cartuns de duas destas aventuras: a Revista Bundas (1999 a 2001) e o Jornal Pasquim 21 (2002 a 2004) e posso afirmar, sem pestanejar, que Ziraldo junto com J.Carlos e Angelo Agostini foram os três maiores editores e criadores gráficos que este país já teve.
Ziraldo e J. Carlos têm mais uma coisa em comum, modernizaram o traço do humor gráfico de forma dilacerante em seus tempos. J. Carlos na Careta e Fon-fon, Ziraldo no Jornal do Brasil e Pasquim.
Fazer charges, cartuns e quadrinhos é fácil (ou menos difícil), editar é que são elas. Pois estes três nomes se destacaram nesta difícil arte, com a diferença que Ziraldo foi também um prolífico criador de livros infantis e infanto-juvenis.
Mas, para além de ser apenas um produtor de conteúdo, Ziraldo era também um formatador de projetos, um visionário gráfico que via as bancas de jornais e livrarias como espaços de batalha em prol do conhecimento e era sua a frase "Ler é mais importante que estudar!" Participei de várias homenagens à genialidade de Ziraldo em Salões de Humor como os de Caratinga e Piracicaba, publicações como a Revista Huai (pelo cartunista Edra) e a belíssima Exposição "Cara a Cara" no Salão do Livro 2022 em Ipating (onde expus duas das obras do post abaixo) a convite dos amigos cartunistas Genin Guerra e Jorge Inácio. Publiquei as caricaturas na revista do Camilo Lucas de Caratinga e no livro homenagem ao Ziraldo, editado pelo Edra pela Melhoramentos.
É homenagem que não acaba, e o Mestre ZIRA merece. https://www.opovo.com.br/noticias/curiosidades/2024/04/08/bundas-conheca-a-revista-criada-por-ziraldo-em-1999.html

MESTRE ZIRALDO

A primeira vez que eu vi o Mestre
É claro que não peguei a primeira fase da publicação dos gibis de A Turma do Pererê, do Ziraldo, que pararam de ser publicados pela editora Abril em abril de 1964. Tétrica coincidência. Victor Civita ficou famoso no livro O Homem Abril, de Gonçalo Jr., por entregar pra polícia seus jornalistas e redatores que eram contra a ditadura. Um apoio aos milicos que censuravam, torturavam e matavam. Eu tinha apenas um ano e um mês quando o gibi foi cancelado.
Fui encontrar as artes do Mestre Zira nas páginas da revista O Cruzeiro, que meu padrinho Vicente comprava. Ele era barbeiro no Tatuapé, e a revista, que trazia O Amigo da Onça, de Péricles, e os cartuns do Ziraldo, era presença marcante no Salão do Vicentinho, que também era metalúrgico e goleiro de futebol. Porém, o traço moderno, a arte final pincelada, as caricaturas elegantes, a perspicácia humorística de Ziraldo foram me ganhar no final dos anos 1970 e início de 1980, nos jornais O Pasquim e Jornal do Brasil. Era o começo de minha carreira nos Quadrinhos dos Trapalhões e nas Charges Sindicais.
O Pasquim me trouxe não apenas sua genialidade gráfica, mas sua capacidade de aglutinar uma trupe de mestres do texto e das artes para produzir um dos mais importantes veículos da imprensa nanica, alternativa e de oposição aos ataques que nossa combalida democracia vinha sofrendo. Foi aí que a influência veio forte, principalmente quando comprei O Pipoqueiro da Esquina, em que ele desenhou dezenas de pipocas escritas por outro mineiro, o Drummond! Esse livro me deu a real noção da sua capacidade gráfica, de seu experimentalismo visual. Minha admiração só cresceu nas dezenas de livros infantis ilustrados de forma soberba com mistura de aquarela, ecoline, guache, acrílica, nanquim e lápis de cor. Sem contar sua forma de desenhar as expressões e as anatomias de bichos que andam em duas, quatro, ou cem pernas.
Ziraldo é capaz de desenhar qualquer coisa, desde um móvel e um terno realista em anúncios, a espaçonaves siderais, relações maternais de cangurus e amor entre elefantes. É brilhante em Noções de coisas, com o genial Darcy Ribeiro, em seus cartuns e quadrinhos com meninos maluquinhos, supermães e Jeremias... Não bastasse tudo isso, que ainda é muito pouquinho perto de tudo o que ele fez de fato, Ziraldo foi o criador, com Zélio, da revista Bundas e do jornal OPasquim21, dois semanários do humor gráfico brasileiro nos quais tive o prazer de publicar minhas charges.
Um belo dia, na Bienal do Livro em Sampa, vi uma multidão e, ali no meio, uma vasta cabeleira branquinha. O sotaque mezzo mineiro, mezzo carioca denunciou: era o Ziraldo! Nunca tinha visto o Mestre pessoalmente, assim, de pertinho, a ponto de tirar foto junto (na época não tinha celular pra tirar selfie), e fui lá entrar na fila pra dar um abraço no criador de tantos quadrinhos e cartuns que me fizeram a cabeça. Foi aí que contei quem eu era, e então deu início ao momento que transformei em charge, com esse mesmo diálogo acontecido, reclamado, ouvido e só agora desenhado.

MASTROTTI, COMPA DE TRAÇO

Caricatura e texto especialmente feitos para a Biografia Ilustrada de Mastrotti editada pelas editoras Criativo e GRRR! de Marcio Baraldi. https://www.livrariacriativo.com.br/
Em 1975, Mario Dimov Mastrotti criou Cubinho, um personagem que chamava a atenção dos leitores do Jornal Diário do Grande ABC para a Ecologia, tema que se tornou um dos mais importantes para os habitantes deste ponto azul chamado Terra, o "Planeta Água" segundo o cantor Guilherme Arantes. Mastrotti não poderia ter acertado de maneira mais certeira no tema e na bandeira: Salvar o Planeta enquanto é tempo! E ele estava adiantado em, pelo menos, 50 anos.
Em 1984 eu o conheci nas reuniões da AQC-ESP, Associação de Quadrinhistas e Caricaturistas. A empatia foi imediata, a amizade também. Ainda mais porque descobri que apenas 300 metros nos separavam em nossos locais de trabalho na Liberdade, ambos na rua Tamandaré, eu nas charges do Sindicato dos Químicos e ele nas ilustrações de apostilas do Anglo. Mudei pra Campinas e perdi contato com a turma da AQC, Mastrotti entre eles. Neste meio tempo, Mastrotti montou uma agência de assessoria de imprensa e produção de quadrinhos institucionais e publicações empresariais. Se especializou em mercado editorial. Seu vasto conhecimento de jornalismo e propaganda o preparava para um futuro brilhante na árdua tarefa de ensinar. Saiu-se muito bem como professor universitário.
Mas sua determinação em aglutinar cartunistas e chargistas fez com que editasse livros cooperativados através de sua pequena e brava Editora Virgo.
Era o fim dos anos 90, o ilustrador Henrique Kipper havia criado a lista de discussão ImagoDays (no site Yahoo) que juntava chargistas, cartunistas e ilustradores de várias partes do Brasil. Foi assim que nos reencontramos, de forma virtual. Era o tempo dos fotologs, o antecessor dos Blogs, com a publicação de arte virtual. Mastrotti já falava da importância das publicações em papel, à moda dos importantes Fanzines. Poderia ter focado em sua própria obra, já vasta, mas optou por fazer história com os livros cooperativados "Brasil, 500 anos" (2000), "2001 uma Odisséia no Humor", "Humor&Amigos", "Fome de ver estrelas", "Tiras de Letras" (2003) cuja coleção teve mais de 11 edições, "Isto é um absurdo" e "Brasil do Bem" (2012).
Depois de um tempo afastado, voltei a participar da AQC, do Troféu Angelo Agostini (bravamente mantido vivo pelo fanzineiro e jornalista WAZ, Worney Almeida de Souza). E reencontrei Mastrotti nas Pizzadas dos Cartunistas organizadas pelo Custódio Rosa na Prestíssimo, nos lançamentos da editora Virgo, no seu Blog. Finalmente este lutador se dedicou à criação do Salão de Humor de Doação de Órgãos e com este intuito, veio me visitar em Vitória para contatar cartunistas capixabas e animar todo mundo a participar de um Salão tão importante como este. Fizemos uma excelente palestra na Faculdade FAESA, que agregou alunos de Arte, Jornalismo e Propaganda, sucesso total. Seu domínio em como expor conteúdo ligado a essas matérias é sensacional e eu fui agraciado em tê-lo ao meu lado falando para um auditório lotado com mais de 300 alunos.
Mastrotti é gente que faz o Bem. Merece os parabéns por lutar por um Brasil do Bem e ser este artista produtivo, criativo, presente e agregador.