A primeira vez que eu vi o Mestre
É claro que não peguei a primeira fase da publicação dos gibis de A Turma do
Pererê, do Ziraldo, que pararam de ser publicados pela editora Abril em abril de 1964.
Tétrica coincidência. Victor Civita ficou famoso no livro O Homem Abril, de Gonçalo
Jr., por entregar pra polícia seus jornalistas e redatores que eram contra a ditadura. Um
apoio aos milicos que censuravam, torturavam e matavam. Eu tinha apenas um ano e
um mês quando o gibi foi cancelado.
Fui encontrar as artes do Mestre Zira nas páginas da revista O Cruzeiro, que meu
padrinho Vicente comprava. Ele era barbeiro no Tatuapé, e a revista, que trazia O
Amigo da Onça, de Péricles, e os cartuns do Ziraldo, era presença marcante no Salão do
Vicentinho, que também era metalúrgico e goleiro de futebol. Porém, o traço moderno,
a arte final pincelada, as caricaturas elegantes, a perspicácia humorística de Ziraldo
foram me ganhar no final dos anos 1970 e início de 1980, nos jornais O Pasquim e
Jornal do Brasil. Era o começo de minha carreira nos Quadrinhos dos Trapalhões e nas
Charges Sindicais.
O Pasquim me trouxe não apenas sua genialidade gráfica, mas sua capacidade de
aglutinar uma trupe de mestres do texto e das artes para produzir um dos mais
importantes veículos da imprensa nanica, alternativa e de oposição aos ataques que
nossa combalida democracia vinha sofrendo. Foi aí que a influência veio forte,
principalmente quando comprei O Pipoqueiro da Esquina, em que ele desenhou
dezenas de pipocas escritas por outro mineiro, o Drummond! Esse livro me deu a real
noção da sua capacidade gráfica, de seu experimentalismo visual.
Minha admiração só cresceu nas dezenas de livros infantis ilustrados de forma
soberba com mistura de aquarela, ecoline, guache, acrílica, nanquim e lápis de cor. Sem
contar sua forma de desenhar as expressões e as anatomias de bichos que andam em
duas, quatro, ou cem pernas.
Ziraldo é capaz de desenhar qualquer coisa, desde um móvel e um terno realista em
anúncios, a espaçonaves siderais, relações maternais de cangurus e amor entre elefantes.
É brilhante em Noções de coisas, com o genial Darcy Ribeiro, em seus cartuns e
quadrinhos com meninos maluquinhos, supermães e Jeremias...
Não bastasse tudo isso, que ainda é muito pouquinho perto de tudo o que ele fez de
fato, Ziraldo foi o criador, com Zélio, da revista Bundas e do jornal OPasquim21, dois
semanários do humor gráfico brasileiro nos quais tive o prazer de publicar minhas
charges.
Um belo dia, na Bienal do Livro em Sampa, vi uma multidão e, ali no meio, uma
vasta cabeleira branquinha. O sotaque mezzo mineiro, mezzo carioca denunciou: era o
Ziraldo! Nunca tinha visto o Mestre pessoalmente, assim, de pertinho, a ponto de tirar
foto junto (na época não tinha celular pra tirar selfie), e fui lá entrar na fila pra dar um
abraço no criador de tantos quadrinhos e cartuns que me fizeram a cabeça. Foi aí que
contei quem eu era, e então deu início ao momento que transformei em charge, com
esse mesmo diálogo acontecido, reclamado, ouvido e só agora desenhado.