terça-feira, 16 de junho de 2015

O GIBI QUE NÃO ACONTECEU

EM DEFESA DA SANTA IFIGENIA Ou “O Golpe de Kassab para criar um Mega Projeto Imobiliário no Centro de Sampa”. Este Gibi foi encomendado pelo ex-deputado Adriano Diogo, em 2011, mas parou nos estudos e pré-roteiro. Pra quem quiser saber mais sobre projeto imobiliário, clique aqui: https://pt.wikipedia.org/wiki/Projeto_Nova_Luz
Roteiro e desenhos meus.
Página 3:
Título: Santa Ifigenia vai abaixo?
Quadro 1- Narrador: Estou tomando um capuccino com minha mulher quando o celular toca. É o deputado Adriano Diogo. O assunto eu tinha visto superficialmente na TV.
Adriano: Bira, preciso que você faça um gibi-denúncia dessa barbaridade do Kassab.
Bira: Adriano, eu ouvi a notícia na TV, que não explicou quase nada. Falou de desapropriação da Santa Ifigênia, revitalização do Centro. Alguns comerciantes protestando... Ontem, a vereadora Juliana Cardoso me falou de um golpe do prefeito nos moradores e comerciantes, que estão se mobilizando contra a demolição desta área. Disse que já fizeram uma audiência pública, e que o prefeito quer atropelar todo mundo.
Quadro 2 - Adriano: Isso mesmo. O patrimônio histórico está sendo dilapidado. São 200 mil empregos diretos e indiretos que o Kassabão quer detonar. A Imprensa não esclarece nada. Falam que é por causa da Cracolândia. Uma cortina de fumaça para esconder o interesse financeiro no lance. Por isso queremos fazer Quadrinhos no estilo “Notas sobre Gaza” do Joe Sacco. Conhece?
Quadro 3 – Narrador: Sim, eu conhecia o trabalho deste notável quadrinhista norte-americano. Ele visitou áreas devastadas pela Guerra como Gaza, na Palestina e Gorazde, na Bósnia. Entrevistou as vítimas e publicou essas reportagens em forma de Quadrinhos. Ganhou o Prêmio Pulitzer de jornalismo.
Quadro 4 – Adriano: Então vem pra cá, Bira. Vou te colocar em contato com o pessoal que eu conheço: comerciantes honestos, moradores que batalham pela sobrevivência. O Kassab e o Bicudinho querem demolir 45 quarteirões. Vão pagar mixaria pelas indenizações e vender para grandes empresas, num mega evento imobiliário.
Página 4: Quadro 1 - Narrador: Dias depois, chego em São Paulo. O viaduto amarelo que foi construído na Inglaterra, desmontado e trazido de navio para cá, desponta imponente.
Quadro 2 - Narrador: As ruas que circundam o viaduto Santa Ifigênia são um cartão postal do Centrão. Entre o Bom Retiro e a Estação da Luz, centenas de pessoas carregam caixas e mais caixas em carrinhos de mão. Vendedores apregoam seus produtos. É o fervilhar do comércio. O contato entre os comerciantes e quem precisa de equipamentos. O som novo. A TV último tipo. A guitarra ou microfone. E tudo a preço mais em conta do que nos shoppings...
Quadro 3 -
Narrador: Chego na loja de eletrônicos do Nouri, libanês que mora há muitas décadas no Brasil. Lá estão Adriano (com o livro do Joe Sacco nas mãos),o comerciante Joseph –diretor como Nouri, da Câmara de Dirigentes Lojistas- e Edno, editor de jornal da região.
Quadro 4 - Adriano: É isso aqui que o Kassab quer fazer: transformar a Santa Ifigênia numa praça de Guerra. Demolir tudo. Este é o Bira, pessoal. Ele fez vários gibis pras minhas campanhas.
Nouri: Prazer, Bira. Antes de mais nada, a gente quer te levar pra conhecer as histórias desta rua através do povo que vive aqui. Tem gente que está aqui há mais de 70, 80 anos. Gente que veio de outros países, trabalhou com afinco e ajudou a construir a riqueza desta cidade maravilhosa que é São Paulo.
Edno: Podemos publicar estes Quadrinhos no meu jornal. O importante é esclarecer tudo. Mostrar a grande sacanagem que está por trás destes mega-empresários com as garras afiadas para atacar esta parte do Centro.
Joseph: As pessoas estão desinformadas quanto a este projeto do Kassab. Acreditam que ele quer melhorar a cidade. Que vai revitalizar o Centro e acabar com a Cracolândia. Na real, ele só quer mudar a desgraça de lugar. E tirar os comerciantes e moradores daqui. Ele quer acabar com a nossa vida, com a nossa história.
Adriano: Só preservando as histórias pessoais, a gente mantém a luta desta gente valorosa que está aqui: libaneses,turcos, poloneses, judeus, chineses deram seu sangue no dia-a-dia deste pedaço da cidade. E Kassab é um lobo com pele de cordeiro. Se diz democrático, mas coloca coronéis nas subprefeituras. Usa a Operação Delegada para contratar como “bico” os policiais militares pela prefeitura. Trata os Movimentos Populares como caso de polícia, no cassetete. Uma democracia muito parecida com a do seu parente lá no Egito, Hosni Mubarak. Kassab pôs a Cidade de São Paulo à venda com operações urbanas, a Santa Ifigênia, Luz, Lapa, só para beneficiar os setores imobiliários. Com a Operação Urbana Luz quer derrubar 45 quadras da região Central. Ofereceu ao consórcio Cia City fazer a desapropriação. Essa empresa vergonhosamente presidida pelo filho de Hélio Bicudo, representa os interesses imobiliários na cidade. 45 quadras! Joseph: Não é fácil não. Ainda bem que a gente tem amigos com quem contar. Pessoas que vão denunciar esse ataque da prefeitura. Bira, vamos te apresentar o Henrique Warcman, da Kitsom. A loja dele é de 1957. Veja que maravilha de prédio. Tombado pelo patrimônio público. E uma canetada deste prefeito pode derrubar.
Henrique: Começamos vendendo válvulas, reistências, condensadores e transformadores eletrônicos, há 54 anos, mas a loja já existia há 5 anos. Naquele tempo, o pessoal comprava o “kit” de componentes para montar rádios e amplificadores. Aí criamos o nome Kitsom. Assim, esta rua virou um marco em eletrônica, vinha até gente de outros países comprar aqui.
Hoje a gente vende aparelhos sofisticados, até "home theater", é um orgulho ser uma das lojas mais completas na área. Nossos funcionários atendem de maneira gentil e educada, dando orientação técnica a todo cliente. Esse é nosso lema.
Narrador: Puxa, quase 60 anos prestando um serviço excelente. Não é à toa que a rua prosperou...
Nouri: Agora, vamos conhecer o Abduch, 100 anos de comércio aqui na rua. O bisavô fundou a loja. Quem cuida agora é o neto... Narrador: Ele está de saída, mas mostra o quadro com a reportagem do avô e dá uma busca rápida na internet para ver meus trabalhos.
Abduch: Você desenhou gibi dos Trapalhões? Eu tenho alguns exemplares! Muito legal.
A história dessa loja é a história dessa rua. A vida da família. Um absurdo ver um prefeito tratar o povo que trabalha como nada, ou menos que isso. Narrador: Paramos para um café com esfiha. O garoto Gustavo espia meus traços, enquanto eu retratava Adriano, Edno, Joseph e Nouri. É a lanchonete escolhida pro cafezinho das tardes. O que vai ser disso? E do Gustavo? De lá, mais uma caminhada, para chegar à loja do João Bolsoni. Joseph: Essa loja começou com o pai, ainda na década de 50. Mas não irei com vocês, tenho um compromisso agora...
Narrador: Entramos na loja ao som da guitarra de Jimi Hendrix. Em seguida, Creedence. O João gosta mesmo de Rock. Como eu.
João: Essa loja foi montada pelo meu pai, Wilson. Começou vendendo discos de grandes nomes da MPB como Silvio Caldas e Orlando Silva, que apareciam aqui de vez em quando. Naquele tempo, as pessoas vinham de bonde. Nesta rua tinha muita loja de tecido, calçado e selaria. Bira: Selaria de cavalo?
João: Isso! A turma vinha de trem, se abastecia aqui e voltava pras suas cidades. Tinha gente que chegava de charrete. O início da eletrônica na rua foi em 1960. Eu cresci aqui. A história desse lugar é maravilhosa. Isso não pode ser derrubado com tratores e guindastes. Dizem que os imóveis tombados como Patrimônio Público serão preservados, mas ninguém garante.
Narrador: Nisso, chega Mendonça, representante da Falcon. Mendonça: Eu estou há 31 anos na rua. Andando aqui pra cima e pra baixo. Sou nordestino, mas conheço essa rua melhor do que qualquer outra. Acabar com ela seria um crime! Andamos mais um pouco e chegamos à avenida Duque de Caxias. O marechal, do alto de seu cavalo viu todo aquele bairro ser formado, a antiga rodoviária ser construída e fechada. Pessoas dormem no chão. Nouri mostra o Memorial da Resistência, construído na antiga sede do Deops.
Adriano: É uma instituição dedicada à preservação das memórias da resistência e da repressão políticas que ocorriam aqui no Deops/SP, durante a Ditadura Militar.
Nouri: E olhem ali na frente a Estação da Luz. Tem gente que vai pra Paris, Londres procurar beleza arquitetônica. E ela está aqui, vejam como essa cidade é bela. Eu sempre ando por aqui. Paramos para almoçar no Bar Leo, na rua Aurora. Minha primeira vez lá foi com Gualberto e Tucci, dois amigos dos Quadrinhos de Sampa. Gualberto montou com a Dani, a livraria HQ Mix, na Praça Roosevelt, ao lado do Espaço dos Satyros e dos Parlapatões.
Bira: Gente, este chopp do Leo é tão delicioso. E o canapé de carne crua, então? Que saudade.
Fernando, entre um chopp e outro, explica: Este bar foi fundado em 1940 pelo alemão Leopoldo. 20 anos depois o seu Hermes de Rosa comprou. Faleceu em 2003, mas a família continua tomando conta. E o seu Luiz que é garçom aqui há décadas, mas levou um tombo e não veio trabalhar hoje. Revitalizar é reformar prédio que está caindo, fiscalizar a segurança das instalações elétricas. Não expulsar todo mundo daqui deste jeito, que nem cachorro. Tem tanta coisa pra mexer e a prefeitura vem logo mexer com quem está quieto. Se acabarem com isto aqui, vão acabar com a história do bairro. Depois de almoçar, encontramos outro conhecido de Nouri, o Jack. Ele é filho de poloneses (?), mas nasceu na China, assim que sabe da ideia deste gibi fala pro Adriano:
Jack: Vou levá-los na agência de comunicação Fess Kobby, da qual sou sócio. Lá a Selene e o Tateishi vão contar tudo que a gente está sofrendo na mão do Kassab.
Na portaria, Adriano comenta: O Bandido da Luz Vermelha –clássico do Cinema Nacional- foi filmado aqui, num desses prédios vizinhos.
Jack: E o José Mojica, o Zé do Caixão vivia por aqui nos anos 70. Vinham muitos intelectuais e artistas produzir arte neste Centrão.
De cara, gostei da agência. No corredor de entrada, umas 20 telas retratam moradores da rua. Eu achei que fossem funcionários de lá. Fomos recebidos pela Selene, que é a administradora.
Selene: Quem vai falar com vocês é o Roberto Tateishi, diretor de arte da agência. Sabe, nós fomos cobaias neste Projeto Nova Luz do Kassab. A agência foi montada aqui com a promessa de isenção de 2 a 5% no ISS. Isso interessava, pois representava uma diferença no preço final do trabalho e, muitas vezes, decide uma concorrência. Eu participei de dezenas de reuniões, passei inúmeras noites e fins de semana juntando documentos que eles exigiam. Os sócios fizeram reformas e investimentos aqui com a promessa de um futuro. E o futuro que nos oferecem agora é a demolição.
Edu, diretor de criação, entra na sala rapidamente. Tem uma reunião, mas fala que estamos em boas mãos. Quando eu comento das telas da entrada, ele entrega o autor:
Edu: Foi o Roberto. Este cara é fantástico.
Roberto: Desde eu entrei aqui, a idéia era que a agência se comunicasse com o mundo lá fora. Estou aqui a 6 anos e meio e achei muito interessante a idéia de uma agência sair das grandes avenidas e bairros nobres. Mas a agência foi vítima da burocracia. Agora estamos sem saber do futuro...
Voltamos à loja de Nouri. Adriano se despede com a promessa de entrevistar mais gente dos 45 quarteirões condenados por Kassab, Bicudinho e os Empresários-vampiros do ramo imobiliário.
Nouri: Bira, aqui funciona a CDL, Câmara dos Dirigentes Lojistas. Este é o Manuel, é morador aqui do bairro e trabalha com a gente:
Manuel: A situação aqui é assim: droga tem em todo lugar, mas nem por isso tem que destruir tudo. A prefeitura e a polícia empurram com a barriga. Não adianta prender, droga é caso de saúde pública. Projeto de Revitalização é Trem-bala saindo da Estação da Luz pro Rio e Campinas.
Bira: O que seria revitalização pra você?
Manuel: Um projeto de reforma discutido caso a caso, com moradores e comerciantes, através de suas entidades representativas. Reforma de calçadas e fachadas. Isso sim.
Bira: Como o Kassab tratou vocês?
Manuel: Com um trator. Aplicando um projeto de cima pra baixo, que paga 10% do que o imóvel vale. E se o comerciante quiser voltar depois, vai ter que pagar 90% a mais do que recebeu. Isso é extorsão. Mas demos o troco com mobilização.A Câmara dos Lojistas e a ACSI, Associação Comunitária da Santa Ifigênia, foram pra rua. Na primeira audiência pública, colocamos 2.000 pessoas na Câmara. Na segunda audiência, fizemos uma grande passeata e colocamos 3.000 pessoas lá. Olha os comentários de quem participou:
http://comentarios.folha.com.br/comentarios?comment=145531&site=folhaonline&skin=folhaonline “EXMA Presidente Dilma e o companheiro LULA,nós comerciantes da SANTA IFIGÊNIA, pedimos SOCORRO a quem já sofreu todos os tipos de ditadura desse país. Pelo amor de DEUS, nos ajude contra este ditador insano, que quer destruir o nosso ganha pão, com esse projeto NOVA LUZ!”
“Somos mais de 30000 pessoas que diariamente enfrentamos todas as dificuldades possíveis, para vencer na vida.Temos histórias dos nossos antecessores familiares que estão há mais ou menos 100 (cem)anos lutando na SANTA IFIGÊNIA, com todos os desaforos das autoridades.Somos uma das regiões que mais pagam impostos , maiores varejistas da América Latina, ou seja um dos maiores pólos comerciais do país.Será que a alucinação ESQUIZOFRÊNICA de um ditador (KASSAB),para vencer as eleições tem respaldo?”
“Estão tentando iludir os paulistanos, com a garantia de que a cracolândia vai desaparecer, quando na verdade este é um problema mundial sem solução.As vantagens financeiras para bancar a campanha eleitoral de um Psiquicopata para governador (Trampolim eleitoral para o KASSAB),está diretamente ligado na destruição de várias famílias.Chega de palhaçada prefeitinho,serei um cabo eleitoral dos mais fervorozos contra sua alucinação governamental, e estarei mandando email para o mundo inteiro.”
“Estamos há mêses solicitando uma reunião com o secretário Bucalem, e o que mais chama atenção,é o descaso deste simples cidadão.Quando será que vai haver punição para os políticos que querem simplesmente destruir os que realmente trabalham, para dar espaço aos que vivem de especulação imobiliária.Vou lutar até Brasília se necessário, para que o nosso país veja quem são os políticos de São Paulo. Desabafo de um filho da SANTA IFIGÊNIA.”
"A coisa tá feia. Mas o pessoal não vai ser derrotado. Aqui todo mundo quer ir pra luta contra uma prefeitura que está contra o povo paulistano."
O fato é que o gibi não saiu e o projeto do Kassab não vingou. Haddad foi eleito prefeito em 2013 e vetou o projeto "Nova Luz", acabando com o sonho de uma elite paulistana de enriquecer um pouco mais.